quarta-feira, 14 de abril de 2010

QUESTÃO DE PRINCÍPIO!


Leonardo Boff, com sua vasta cultura e proverbial sabedoria, escreveu o texto transcrito abaixo, em que aponta, com meridiana clareza e num só passo, a raiz da gravíssima crise que abala a humanidade e a salvadora saída dela. Muito simples: mudar o atual eixo estruturador da sociedade-mundo, que é de acumulação individual, de competição exacerbada e predatória, de consumo insensato ao custo da devastação do planeta, por outro mais de acordo com o potencial de renovação e regeneração da natureza, centrado "na cooperação, no pathos, no sentimento profundo de pertença, de familiaridade, de hospitalidade e de  irmandade com todos os seres”. Antes que seja tarde demais, se é que já não o é.

É do conhecimento de todos a fé cristã de Boff e o profundo sentimento de fraternidade que abriga pela humanidade. Não é de espantar, então, que permeie por todo o texto, com sutilidade, a mensagem básica, fundamental, a marca do “Homem de Nazaré”, se assim se pode dizer, que é a partilha. Partilha dos dons e dos bens. E que foi levada ao extremo da morte na cruz, quando partilhou com irmãs e irmãos o último suspiro. Decorridos mais de dois mil anos, urge que a humanidade desperte, abra olhos e ouvidos, liberte-se da alienação, abrace esta poderosa e transparente mensagem, e construa uma nova civilização com base na partilha. Ouso dizer que a única saída, salvadora e salvífica, a última que resta, para escaparmos ao abismo em que o capitalismo meteu a humanidade, é a da partilha.

O princípio ganha-ganha                                                                                    Leonardo Boff   
Se olharmos o mundo como um todo, percebemos que quase nada funciona a contento. A Terra está doente. E como somos, enquanto humanos, também Terra (homem vem de humus), nos sentimos também, de certa forma, doentes.

Parece-nos evidente que não podemos prosseguir nesse rumo pois nos levaria a um abismo. Fomos tão insensatos nas últimas gerações que construimos o princípio de auto-destruição acrescido pelo aquecimento global irreversível. Isso não é fantasia holywoodiana. Entre estarrecidos e perplexos, nos perguntamos: como chegamos a isso? Como vamos sair desse impasse global? Que colaboração cada um pode dar?

Em primeiro lugar, há de se entender o eixo estruturador da sociedade-mundo, principal responsável por esse curso perigoso. É o tipo de economia que inventamos com a cultura que a acompanha que é de acumulação privada, de consumismo não solidário a preço da pilhagem da natureza. Tudo é feito mercadoria para a troca competitiva.  Nessa dinâmica só o mais forte ganha, os outros perdem ou se agregam como sócios subalternos ou desaparecem. O resultado desta lógica da competição de todos contra todos e da falta de cooperação é a transferência fantástica de riqueza para poucos fortes, os grandes  conglomerados a preço do empobrecimento geral.

Mas há que reconhecer: por séculos, essa troca competitiva conseguia abrigar a todos, bem ou mal, sob seu guarda-chuva. Criou mil facilidades para a existência humana. Mas hoje, as possibilidades deste tipo de economia estão se esgotando como  o evidenciou a crise econômico-financeira de 2008. A grande maioria dos países e das pessoas se encontram excluidas. O próprio Brasil não passa de um sócio subalterno dos grandes, com a função a ele reservada de ser um exportador de matérias primas e não um produtor de inovações tecnológicas que lhe dariam os meios para moldar seu próprio futuro. Não nos descolonizamos ainda totalmente.

Ou mudamos ou a vida na Terra corre risco. Onde buscar o princípio articulador de uma outra forma de vivermos juntos, de um novo sonho para frente? Em momentos de crise total e estrutural precisamos consultar a fonte originária de tudo: a natureza.  Ela nos ensina, o que as ciências da Terra e da vida já há muito nos estão dizendo: a lei básica do universo, não é a competição que divide e exclui, mas a cooperação que soma e inclui. Todas as energias, todos os elementos, todos os seres vivos, das bactérias aos seres mais complexos, são  interdependentes. Uma teia de conexões os envolve por todos os lados, fazendo-os seres cooperativos e solidários, conteúdo maior do projeto socialista. Por causa desta teia chegamos até aqui e poderemos ter futuro para frente.

Aceito este dado, temos condições de formular uma saída para as nossas sociedades. Há que se fazer conscientemente da cooperação, um projeto pessoal e coletivo, coisa que não se viu em Copenhague na COP-15 sobre o clima. Ao invés da troca competitiva onde só um ganha e os demais perdem, devemos fortalecer a troca complementar e cooperativa, o grande ideal  dos andinos do “bem viver” (sumak kawsay) pelo qual todos ganham porque todos participam. Importa assumir o que a mente brilhante do Nobel de matemática John Nesh  formulou: o princípio do ganha-ganha, pelo qual todos dialogando e cedendo saem beneficiados sem haver perdedores.

Para conviver humanamente inventamos a economia, a política, a cultura, a ética e a religião. Mas desnaturamos estas realidades “sagradas” envenenando-as com a competição e o individualismo, dilacerando assim o tecido social.

A nova centralidade social e a nova racionalidade necessária e salvadora está  fundada na cooperação, no pathos, no sentimento profundo de pertença, de familiaridade, de hospitalidade e de  irmandade com todos os seres. Se não fizermos essa conversão, preparemo-nos para o pior.

Leonardo Boff é autor de  Cuidar da Terra - salvar a vida, Record (2010). Publicado em Boletim Eletrônico Ano VIII n.356 Rio de Janeiro 8 abril 2010. Mandato Chico Alencar PSOL/RJ

4 comentários:

  1. Valeu Serginho. Tenho divulgado seu Blog tanto pelo contéudo como pelo autor. Sempre em frente.
    abração, Jorge Almeida

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  2. valeu! camarada Macarrão.

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  3. Galera, este é o meu sogro querido. Não é genial o que ele escreve? Leiam, sorvam, alimentem-se e comentem sobre os temas que ele lança em campo. Não deixem a bola quicando... Os seus textos tanto podem causar espasmos de reflexão e auto-análise, como fez “Propriedade e desigualdade”, como podem acariciar a alma e elevar o espírito, assim como foi em “Questão de princípio- Leonardo Boff”. E para plagiar Walter franco, ler coisa boa é a forma mais fácil de “manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”.
    Beijo, sogro...
    Vá escrevendo por aí que eu vou lendo por aqui...rs..

    Sil

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  4. 'brigadão'! Sil, você é muito gentil e seu estímulo inestimável; dá uma força e uma vontade 'danada' de prosseguir. amanhã sai nova postagem. beijão do sogro.

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