segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

PÁGINAS MEMORÁVEIS

Me ocorreu ser de bom alvitre, começar este ano bissexto de 2012, com a postagem de dois textos díspares, tanto em conteudo quanto em data das publicações originais, ambos vindo a lume no séc. XX; um, na primeira década, o outro, na sexta década do século. Um, aponta para a insanidade da sociedade humana, e o outro, para o poderio dos governos no uso da mecânica do controle social. Ambos fazem um chamamento á consciência cidadã das pessoas que, no caso deste blog, são seus seguidores e visitantes. Leiam com atenção e digam se este aprendiz de bloguista está com razão, ou não.

Sobre Deus


      Trecho de artigo inédito, escrito por Jaurès (1859-1914) no final de sua vida


          "O que hoje queremos dizer é que a idéia religiosa, por momentos apagada, pode reapossar-se dos espíritos e das consciências, visto que as conclusões atuais da ciência os predispõem a recebê-la. Existe desde já, se assim se pode dizer, uma religião já pronta, e se ela não penetra neste momento nas profundezas da sociedade, se a burguesia é limitadamente espiritualista ou tolamente positivista, se o proletariado está dividido entre a superstição servil ou o materialismo apaixonado é porque o regime social atual é um regime de embrutecimento e de ódio, quer dizer, um regime irreligioso. Não é, como dizem muitas vezes os declamadores vulgares e os moralistas sem idéias, porque nossa sociedade tenha a preocupação dos interesses materiais que ela é irreligiosa. Pelo contrário, há qualquer coisa de religioso na conquista da natureza pelo homem, na apropriação das forças do Universo às necessidades da humanidade. Não, o que é irreligioso é que o homem não conquista a natureza sem escravizar os homens. Não é a preocupação pelo progresso material que afasta o homem dos altos pensamentos  e da meditação das coisas divinas, é o esgotamento do labor inumano que não permite à maior parte dos homens, ter a força de pensar nem sequer de sentir a vida, quer dizer DeusÉ também a superexcitação das paixões vis, a inveja e o orgulho, que desperdiçam em lutas ímpias a energia íntima dos mais valorosos e dos mais felizes. Entre a provocação da fome e a superexcitação do ódio, a humanidade não pode pensar no infinito. A humanidade é como uma grande árvore, cheia do ruído de moscas irritadas sob um céu de tempestade, e nesse zumbido de ódio a voz profunda e divina do Universo não é ouvida" (grifos de Guima).   
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Pauwels, Louis & Bergier, Jacques * O Despertar dos Mágicos  p.365, Difusão Européia do Livro, 1971, 6ª  ed.

Jaurès, Jean Léon  (1859-1914)   
Livre-docente de Filosofia francês, Jaurès defendeu tese de doutoramento A realidade do mundo sensível, foi deputado provincial, deputado socialista e fundador do Partido Socialista Francês. Grande orador, vice-presidente da Câmara, fundou o jornal L'Humanité  (1904) e dirigiu, de 1901 a 1908, uma Histoire Socialiste



O HEREGE                                                                                                                               Morris West 1969

Prefácio

Uma das ilusões de nosso tempo é a de que o não-conformista, está em ascensão, o herético é herói e o revolucionário, nosso redentor.            

Na realidade, o homem insólito nunca esteve tão em risco nem tão intensamente ameaçado pela conspiração de poder que nos comprazemos em chamar de Governo. A mecânica do domínio social é mais requintada do que nunca na história, ainda mais nos países em que especiais provisões legais e judiciárias parecem pender para o lado do indivíduo. A posição marxista é pelo menos clara: qualquer desvio, você é condenado ao inferno - à expulsão do Partido, à morte com desonra.                                                                                                                                                                             
                               
O método democrático é mais sutil mas não menos eficaz. A autoridade que cobra impostos pode invadir suas transações mais particulares; e o que não pode provar, pode presumir, à falta de prova em contrário. Um funcionário pode requisitar, fichar e transmitir, sem o seu consentimento, os pormenores mais íntimos de sua vida privada; e a sua recusa em comunicá-los pode significar uma presunção de crimes ocultos. O espião social, o gravador de conversas telefônicas, o mascate de engenhos para violar sua intimidade tornaram-se pasmosos personagens de nossa sociedade. A expansão de grandes monopólios dos meio de comunicação confinou os protestatários às ruas e praças, onde seu protesto é facilmente apresentado ou tratado como perturbação da ordem pública. Toda uma indústria se constitui com base na arte de afirmar; mas a dignidade da discordância é denegrida todo dia. Aquele que duvida cai em desgraça porque pede tempo para refletir antes de se comprometer num ato de fé. E a liberdade mais difícil de manter é a liberdade de estar equivocado
                                           
Mas a ameaça ao homem insólito que se recusa a ser arrebanhado não é meramente exterior à pessoa humana. É interior, também. Tantas informações diversas, tantas opiniões divergentes são-lhe metidas pelos olhos e pelos ouvidos a dentro que o esforço para racionalizar tudo isso às vezes ameaça até sua sanidade mental. Freqüentemente sua única salvação é parar para dizer: “Não sei. Não me posso engajar enquanto não tiver entendido. Não me comprometo sem ter o tempo e a liberdade que me são recusados”.  


(...) Eis porque escrevi a história de Giordano Bruno, queimado e morto por heresia há trezentos e setenta anos passados. Não podia acreditar que de um homem se exigisse vender a própria alma  - por mais subdesenvolvida que fosse -  a quem quer que lhe prometesse ordem, disciplina, aceitação social e três refeições por dia. Uma centena de vezes passei pela estátua de Bruno, penseroso, no Campo dei Fiori, em Roma. (...) Uma vez se desdisse e se retratou, após breve inquisição em Veneza; após sete anos nas mãos da Inquisição romana, recusou-se a uma segunda retratação que lhe poderia ter poupado a vida e talvez devolvido a liberdade. Nele encontrei (...) minha convicção de que, cedo ou tarde, o homem tem de possuir uma razão para viver ou morrer. A razão pode errar mas o direito à razão é inalienável. (...)

A História e o Teatro

No Campo dei Fiori, em Roma, encontra-se a estátua de um homem. Seu nome é Giordano Bruno. (...) Esta peça trata do julgamento e morte de Giordano Bruno, o herege.     (...) A trama da peça é brutalmente simples.  Giordano Bruno, herege aos olhos da Igreja, é traído, torturado e forçado, em Veneza, a dobrar os joelhos e retratar-se dos seus erros. Pensa que assim poderá salvar ao mesmo tempo a vida e uma parte, ao menos, de sua obra. Mas Bruno é famoso demais para livrar-se tão facilmente. A Inquisição precisa fazer dele um exemplo notável. Chamam-no heresiarca  - ou seja, não somente herege, mas chefe de uma seita de heréticos. (...) é mantido na prisão por sete anos, sob constante coação e interrogatórios freqüentes. (...) Exigem que se retrate. O preso recusa e é queimado vivo no Campo dei Fiori
                                                                                                                                                          Por que recusou Bruno a segunda retratação? Após a primeira, esta outra teria sido fácil. Eis a verdade que o Autor procura encontrar nesta peça. Encara Bruno como uma figura trágica confrontando-se com um dilema brutal. Se concorda em retratar-se, perde a sua integridade pessoal, a sua própria identidade. Se não se retrata, será executado.  

O dilema de Bruno é o do homem moderno. Este não pode ter esperança de vencer os complexos mecanismos de domínio do Estado moderno que exigem, cada vez mais, a ortodoxia como preço da sobrevivência. Nunca poderá garantir que esteja certo, apenas pode insistir no seu direito de estar errado. (grifos de Guima)