sexta-feira, 6 de abril de 2012

A PAZ DA PÁSCOA


O autor, na falta de produção própria, decidiu não deixar passar em branco este dia em que judeus e cristãos  promovem a celebração do dia especial da Páscoa e resolveu transcrever este belo artigo da lavra do professor de História e deputado federal Chico Alencar, PSOL/RJ, em que trava um monólogo com o grande Millôr Fernandes, recém-falecido, umas maiores "cabeças" deste país, senão a maior.


 
“Só se morre uma vez, mas é para sempre”, dizia o genial pessimista Millôr Fernandes. Ele morreu há pouco, mas não foi para sempre: cá estou – como tantos – lembrando, nele, do que imortaliza: a Palavra, a Arte, o Bem, o Amor que se distribui.
A Semana Santa, nas igrejas cristãs e fora delas, é a celebração dialética vida-morte-ressurreição que mora em tudo o que pulsa e está dentro de nós.
É impossível fazer a travessia sem tropeços, naufrágios, perdas e dores, muitas dores. Mestre Millôr escreveu que “o medo é agudo, a esperança é crônica”. Ele, tão cético, afirmava que estávamos “condenados à esperança”!
Esperança autêntica é mais que um dom: é construção, labor, batalha. Implica em sentir a perda e aceitá-la. Despojados de tudo, arrancados do que mais queremos, podemos ficar livres para praticar o essencial que nos restou: amar, amar e mais amar.
A liturgia desses dias da chamada Semana Santa é belíssima. A Quinta Feira fala do serviço, do maior que se faz menor e servo, lavando os pés dos discípulos. No tempo da arrogância e do Poder imponente, sentado altivo no trono do Dinheiro, construído com o metal pesado do Capital, agachar-se para limpar os pés dos pequeninos, sabendo-se um deles, é sinal de contradição.  E permite a Ceia, a partilha do Pão e do Vinho, em absoluta igualdade de condições. Trigo e uva, corpo e sangue em sua vocação elevada, mística: partilha, comunhão.
A Sexta Feira da Paixão é a da cruz, do chamado à meditação sobre nossa definitiva finitude. No tempo do barulho, dos sons e imagens que abafam o medo da solidão – do encontro com nós mesmos –, esse dia é especial.  Foi feito para relativizarmos a força das coisas e buscarmos a essência.  A morte, quando chegou para reclamar sua propriedade junto àquele Homem pendente em um madeiro, torturado e lacerado, nada encontrou para tomar. Tudo, inclusive seu último suspiro, tinha sido dado: “Pai, em tuas mãos entrego meu Espírito”. Assim, a morte foi vencida. “Se o grão não cai na terra e morre, não produzirá frutos”...
Mesmo aos 33 anos – “na vida nos dão muito enredo para pouco tempo”, reclamou Millôr – o Nazareno viveu intensamente, pois condensou em Si o que é registro na existência de todos nós: nascimento, relação, comunhão, incompreensão, condenação, libertação.
E chegamos ao anúncio do Sábado de Aleluia, à luz matinal do Domingo de Páscoa. Millôr, desafiante, cobra: “sabemos que Você, aí de cima, não tem mais como evitar o nascimento e a morte. Mas não pode, pelo menos, melhorar um pouco o intervalo?”.
Já melhorou, Millôr!  E que bom que Deus nem tentou evitar o nascimento e a morte. Ao contrário, tudo criou célere, em apenas seis dias, ainda que “tendo a eternidade para fazê-lo”, como você constatou, reclamando dos nossos defeitos de fabricação. O Criador, aquele que disse que “não é bom que o homem seja só”, ao descansar (até Ele, que ninguém é de ferro!), “viu que tudo era bom”. Portanto, só o fato de existir esse ‘intervalo’ vivencial já é benção.
 Você afirmou, Millôr, que “o cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas matéria-prima”. Mas matéria-prima maravilhosa, argila manufaturada em amor, ternura, com-paixão. Morte, vida, ressurreição!
Superemo-nos, fazendo, cotidianamente, a travessia das trevas para a luz, do medo para a afirmação, do poder para o serviço, da mediocridade para a criatividade, dos véus da mentira para a claridade da verdade. Só assim contestaremos o brilhante contestador, Millôr, para quem “todo homem nasce original e morre plágio”.  Só assim, originalmente renascidos, nesse tempo consumista da repetição e da massificação, alcançaremos a Paz Perene: Páscoa."

Nesta linda e quase perfeita empadona, me não poderia furtar de pôr uma pequenina azeitona, para bem enfeitá-la: a morte, que batiso de de último rito de passagem, dentre os muitos que realizmos na caminhada por este mundo de meu Deus, integra com destaque a tríada vida.morte.resurreição, e não poderia ser menos enfatizada; a "a irma morte", a que com carinho se referia o grande e, no mesmo passo,  humilde, Francisco de Assis. Já na minha modesta opinião, Millôr foi ou ficou imortalizado pela frase "LIVRE PENSAR É SÓ PENSAR!!!".


Um comentário:

  1. Esta frase imortaliza Millôr porque é a faculdade de pensar, a do pensamento reflexivo sobre si mesmo, que torna o ser humano o que ele é, o rei da criação e do universo e, também, seu mais humilde exemplar.

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