sábado, 29 de outubro de 2011

MITO. DEMOCRACIA. CAPITALISMO.

1. Os mitos, entendidos como “representação de fatos e/ou personagens históricos, com frequência deformados, engrandecidos pelo imaginário coletivo e longas tradições literárias, orais e/ou escritas; fábula, lenda”, como está em Houaiss, estão presentes na caminhada da Humanidade e lhe são essenciais, a começar pelos dois que buscam definir a origem do Universo: os mitos da criação e da não criação. Não há cultura sem a existência desses dois mitos, tentativas de encontrar resposta à pergunta crucial sobre a origem do universo.  Indaga-se: o universo foi criado em um determinado momento? Ou é eterno, infinito, sem começo e sem fim? Defendo esta última hipótese.


Os mitos da criação podem ser reunidos em três grupos: os mitos com Ser Ativo, o Criador; os mitos em que a criação resulta da tensão entre Ordem x Caos, Ser x Não Ser; e os mitos em que a criação emerge do Não Ser, do nada o tudo é criado. Os mitos da não criação podem ser assim agrupados: os mitos em que o universo é eterno, infinito, sem começo e sem fim; e os mitos em que o universo é rítmico, circular, a se destruir e de novo construir em cada ciclo. Fico com o primeiro subgrupo.

O mais conhecido e antigo mito da criação, na civilização ocidental cristã, é o narrado no Gênesis, em que Deus criou o mundo em sete dias e também criou Adão e Eva, e os deixou no Paraiso, o Jardim do Éden, com a Árvore do Fruto Proibido e a Serpente. O talvez mais recente, mas ainda pouco conhecido, é o mito do Big Bang, originado no campo da Ciência, em que o universo nasceu da explosão de um átomo inicial. Mesmo que não saibam dizer onde estava esse átomo e de que era constituído. Outros mitos existem, muitos de conhecimento generalizado.


Bem divulgados são Odin e Thor, os deuses vikings da mitologia escandinava, reinantes no Valhala, onde ocorriam as cavalgadas das valquírias, chefiadas por Freya. E também os deuses da antiga Grécia, moradores do Olimpo, Zeus e sua corte. Entre eles se conta o mito de Prometeu que, por haver roubado o fogo aos deuses para o dar aos homens, foi acorrentado no cume do monte Cáucaso, onde seu fígado era todo dia bicado e destroçado por  uma águia, e todo dia se regenerava, castigo que deveria durar 30.000 anos, ainda não consumados. Há o famoso “mito da caverna” de Platão, muito atual em nossos dias, de pessoas viciadas pela assistência de programas na televisão. E assim chega a vez do que se pode chamar de “mito da democracia grega”. Porque mitos também podem ser entendidos como “histórias que procuram viabilizar ou reafirmar sistemas de valores, que não só dão sentido a nossa existência como também servem de instrumento no estudo de uma determinada cultura”, segundo o mesmo Houaiss. 


No Brasil mesmo, aliás, entre tantos outros mitos, o do Eldorado e o das amazonas, intrépidas mulheres guerreiras que montavam cavalos tal as valquírias germanoescandinavas, há um mito atual, político, o “mito Lula”. Sim, porque quando se fala do presidente Lula, não se fala da pessoa, do retirante nordestino em pau de arara, do operário, do político, do cidadão, está se tratando na realidade do mito Lula. Enfim, a humanidade está grávida de mitos que, em suas mais diversas épocas, explicaram sua trajetória. 

                “Pois o grande inimigo da verdade muitas vezes não é a mentira  - deliberada, forjada, desonesta -  mas o mito, persistente, persuasivo e desligado da realidade.”
 
                                               John F. Kennedy, citado em “Os Criadores de Mitos”, de Bernard D. Nossiter

2. Berço da civilização ocidental, a Antiga Grécia o é também da democracia. De demos, povo, e kracia, governo. Governo do povo. Mas era uma democracia sui generis, peculiar, porque nela não tomavam parte as mulheres, os estrangeiros e os escravos. E não era uma democracia representativa, mas direta, por que todos os cidadãos varões dela participavam, decidiam e votavam. Em Atenas, onde surgiu pela primeira vez, os cidadãos se reuniam na Ágora, a praça central da cidade, para conviver, travar as discussões políticas e participar dos tribunais populares, cada um com igual voz e direito a voto. É bem sabida a história do julgamento de Sócrates, condenado a beber cicuta, a morte por envenenamento.  Ainda que dada como modelo de governo, a democracia grega era bem diversa de nossa badalada pseudademocracia representativa.


Pode-se atribuir a origem da democracia representativa aos ideais libertários que fundamentaram a revolução americana de 1776 e repercutiram depois na revolução francesa de 1789, na “Queda da Bastilha”. Doze anos após a libertação das treze colônias do jugo inglês, domínio do Reino Unido, uma Convenção Constitucional foi convocada para dar nova forma de governo aos treze estados surgidos com a independência. Foi nas discussões dessa convenção que se gerou a atual constituição dos EUA, sendo lançadas as bases da democracia representativa, tal como a conhecemos hoje, e que bem poderia ser batizada, com justiça, de "democracia americana". O sistema uma cabeça um voto, três poderes independentes e harmônicos e um conjunto de contrapesos para proteger os estados mais fracos e defender os direitos das minorias, foram ali definidos e estabelecidos. Em setembro de 1787, o documento foi apresentado e só afinal ratificado em Junho de 1788. O novo governo começou com a posse do primeiro presidente, George Washington. Não se pode deixar de assinalar que essas ideias beberam na fonte da “Teoria da separação dos poderes”, de Montesquieu, exposta em sua famosa obra “Do Espírito das Leis”, 1748.

"Não há socialismo sem democracia
e não há democracia sem socialismo."

Lido pelo autor algures

3. O capitalismo de nossos dias originou-se no séc. XVIII, apoiado nas ideias de um filósofo moral escocês, Adam Smith, que, ao procurar resolver a questão entre a criação da riqueza e a necessidade de aplicação da benevolência aos desprovidos, criou a economia e pôs fim à moralidade.  Adam Smith assentava sua tese na afirmativa de que era o interesse próprio egoístico, “self interest", que criava a riqueza das nações, o crescimento econômico e a inovação da tecnologia.


Kenneth Lux mostra, apoiado em exemplos da atividade econômica dos EUA no séc. XX, em “O erro de Adam Smith”, interessante livrinho com o inaudito subtítulo “De como um filósofo moral inventou a economia e pôs fim à moralidade”, mostra, repito, a falência da tese do “interesse próprio” como móbil da riqueza das nações, do crescimento econômico,  da inovação na tecnologia. Para explicar sua tese, Adam Smith inventou dois “artifícios”: os mecanismos da “livre competição” e da “mão invisível”, para controlar o funcionamento do mercado, controle hoje sabido inviável. O capitalismo, surgido com o nome de liberalismo econômico, o “laissez faire” dos franceses, é hoje bem mais conhecido pelos nomes correntes de neoliberalismo, mercado, consumismo, e globalização financeira. Entre os males a que deu origem em seu desenrolar, pode-se destacar este: “Os EUA criaram, através do “padrão dólar”, o mundo à sua imagem e semelhança: consumismo, miséria, espetáculo cultural, racismo, especulação financeira, violação dos direitos humanos, reality shows, filas nos hospitais”. Criação que, desde a crise de 2008, mais não conseguem manter de pé. Quando se diz “Os EUA”, se está falando de capitalismo, ou de sistema capitalista. “C’est la même chose” i.é. dá no mesmo. Tradução livre do autor para a expressão idiomática francesa usada.


As caraterísticas do capitalismo, enquanto apenas um sistema de organização econômica, se revelaram insuficientes para manter a dominação e na contingência de criar uma garra política, que mais fácil tornasse manter a hegemonia, e até hoje, mutatis mutandis, a dominação opressora e a exploração predatória. A escolha recaiu na “democracia americana” representativa, de  “cada cabeça um voto”, como o sistema de organização política que melhor atingiria o objetivo a que se propõe. Depois foram surgindo, criados com a mesma finalidade, mais dois tentáculos, a garra social do consumismo insensato e a garra cultural do sucesso pessoal, que, entre outros malefícios, gerou o aparecimento do “amor líquido”, descompromissado e efêmero, descartável. A tentativa de sobrevivência do sistema, decorrente da resistência cada vez maior dos oprimidos, explorados. desvalidos, marginalizados e excluidos, com manutenção do jugo,  não conseguiu obstar a grande crise de 2008, de grandeza maior que a do “crack” de 1929. Crise considerada terminal do capitalismo, na abalizada avaliação do dedicado estudioso Leonardo Boff, em recente artigo. Tese que vem sendo corroborada pela divulgação dos fatos econômicos recentes e está fundada no simples motivo de que o Planeta Azul, Gaia, a Mãe Terra, está exaurida e mais não há que possa ser depredado pelo capitalismo, sistema cruel, desumano, perverso de organização econômica, política, social e cultural.


“O capitalismo é intrinsecamente mau. É mau em si mesmo.
Porque nele não há lugar para o Amor. 
Nem para a Justiça e a Paz.”
“A paz é obra da justiça e fruto do amor.
Sem amor não há justiça e sem justiça não pode haver paz.”

Guimarães S. V.

"O Socialismo é a tentativa de a humanidade superar e
sobrepujar a fase predatória da evolução humana."

Albert Einstein 

 Agora fica fácil entender o porquê de Lenin haver batizado de “ditadura do proletariado” ao primeiro estágio do processo de tripla fase para se chegar ao comunismo, em oposição à “ditadura da burguesia” como bem assim chamava as pseudos democracias representativas então vigentes na Alemanha, Inglaterra, França, Itália e outras, sem olvidar os EUA, pai dessas falácias no séc. XVIII. Sugiro que releiam, com atenção, DITADURA DO PROLETARIADO E DITADURA DA BURGUESIA, postado em Agosto de 2010.


Termino me escusando pela enormidade do post, era necessária esta extensão, mantida a indispensável concisão e, também, pela demora no cumprimento do prometido, por força de circunstâncias além do previsível, do esperado, dentro do conteudo e contexto explicitados pelo princípio da incerteza, que orienta e rege a vida.